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domingo, 15 de abril de 2018

Matéria Escura (Blake Crouch)





Título: Matéria Escura
Autor: Blake Crouch
Editora: Intríseca
Páginas: 352
Lançamento original: 2016

Portanto, se o mundo realmente se divide sempre que algo é observado, isso significa que há um número inimaginavelmente grande, infinito, de universos — um multiverso, onde tudo que pode acontecer vai de fato acontecer.” (CROUCH, 2017)

              
Em Matéria Escura, Blake Crouch (roteirista e escritor renomado na atualidade) demonstra uma rara habilidade em tocar num tema pra lá de complexo, tornando-o acessível e incrivelmente intrigante. Que livro, meus amigos e minhas amigas! Uma descoberta que eu vou levar pro resto da minha vida.  O instrumental da história são os estudos de vários físicos brilhantes, sem os quais seria impossível escrever uma obra tão profunda. Afinal, a matéria escura é um dos elementos mais importantes e incompreensíveis deste universo — aliás, multiverso no caso desta obra. Carl Sagan, Neil Degrasse Tyson, Michio Kaku, Rod Bryanton, Amanda Gefter, Stephen Hawking e, num nível mais pessoal, Clifford Johnson, estão entre os incríveis cientistas que deram base ao seu livro.

A obra aqui resenhada foi fruto de uma extensa pesquisa. É daquele tipo de história que eu penso: pqp, eu nunca conseguiria escrever um livro assim. Claro, resultado de uma equipe literária extensa que não se limita aos nomes, e que nomes, citados acima (o autor faz questão de citar cada pessoa no prólogo). Ainda assim, produto de muita dedicação por parte de Crouch. Aliás, uma característica notável do gênero da ficção científica é justamente a consistência que as histórias precisam. É impossível criar algo do gênero sem que se percam noites pesquisando. Não que seja exclusividade da sci-fi, mas é bastante ligado às suas criações. 

Matéria Escura é a obra mais recente de Crouch. O escritor é bastante ativo desde que lançou a sua primeira obra, em 2004, intitulada Desert Places. Desde então, foram doze livros. Notabilizou-se especialmente na trilogia Wayward Pines, que virou série na Fox.  Além disso, é interessante lembrar a sua formação em Escrita Criativa pela Universidade da Carolina no Norte. Portanto, a consistência da sua trama vem, além do “talento natural”, do estudo específico e aprofundado sobre a arte de criar histórias.

Desta vez vou fazer diferente e não vou colocar a sinopse seguida das primeiras palavras. Creio que é preciso situar, de maneira bem simplória, é claro, as ideias principais do livro: matéria escura e multiverso.

Multiverso e matéria escura

O livro se baseia na teoria (ou hipótese, talvez mais adequadamente) do multiverso, segundo a qual existem vários e vários planos de universo. Há algumas variações dessa mesma ideia. A mais conhecida no universo ficcional, nos filmes de super-heróis por exemplo, é a das ramificações de uma mesma realidade, como se as múltiplas realidades fossem galhos de uma mesma árvore - esta é chamada de IMM, Interpretação de Muitos Mundos. Outra bastante difundida é a do Universo Oscilatório, um processo de expansão contínua, provocado pelo Big Bang, que culmina no Big Crunch, a retração do universo, o que desencadeia um processo seguido expansão e retração, ou seja, de Big Bang e de Big Crunch.

A ideia do livro se aproxima da IMM: cada dilema que enfrentamos, cada situação com mais de uma possibilidade, cria universos paralelos. Se eu, Matheus, desistir de estudar em busca de algo que mudará a minha vida, existirá um Matheus2 que escolheu concluir os estudos. Nas estradas bifurcadas, nos trevos, é necessária uma escolha, contudo, de um modo ou de outro acabamos por nos dirigir aos dois caminhos, mesmo que seja em universos diferentes. É um pouco complicado, mas da pra se ter uma ideia.

Uma escolha cria uma realidade alternativa. Existem vários universos, variadas versões de um mundo, de pessoa, de universo.

A matéria escura é uma substância misteriosa que está presente em 70% do universo. Até hoje ninguém conseguiu estudá-la a fundo, mas, a partir da sua força gravitacional, é possível inferir com bastante precisão sobre a sua existência. Uma passagem da revista Mundo Estranho ilustra bem o mistério dessa substância: “É uma parte do Universo que os astrônomos sabem que existe, mas ainda não sabem exatamente o que seja. É matéria, porque se consegue medir sua existência por meio da força gravitacional que ela exerce. E é escura, porque não emite nenhuma luz. Essa segunda propriedade é justamente o que dificulta seu estudo.”

Bom, se os mais renomados cientistas não conseguem definir com precisão a sua existência, mas apenas a sua importância, não vou ser eu o primeiro a elucidar esta questão, ainda mais tentando ser o mais breve possível. Mas o instrumental para se compreender o livro já está em nossas mãos.

Sinopse

Jason é professor de física em uma universidade de Chicago. Daniela é artista. Quando jovens adultos, ambos tiveram imenso potencial para abalar os seus campos de atuação profissional. Eram brilhantes. Entretanto, surge um impasse. O casal, bastante apaixonado, mas ainda com um namoro curto, se depara com a gravidez de Daniela. Eles precisam decidir: construir uma família — que implica em sacrifícios, como jogar fora a dedicação integral à carreira — ou desistir do filho em favor da concretização dos sonhos?

Optam pela família. Quinze anos depois, se encontram seguros, relativamente modestos e com um horizonte um pouco mais restrito. Ela, uma professora de artes; ele, um professor universitário de Física. Um destino bem diferente do que projetaram quando jovens, entusiásticos, sonhadores. Mas é justamente a partir desse momento que se dá o gatilho do romance. Jason, em seu próprio carro, é raptado por um estranho encapuzado, que o trata com agressividade e, drogando-o, consegue extrair todas as informações da sua vida e... troca de universo com ele. Porque esse estranho é Jason. Um Jason de um universo em que ele escolheu a carreira, não os filhos. Um Jason com máxima potencialidade científica, contra um Jason com a máxima satisfação familiar, que o autor trata por Jason2.

Jason acorda num mundo completamente diverso. Uma Chicago quase idêntica, não fosse por ele ser um dos cientistas mais renomados do mundo. Mas ele não se reconhece como parte integrante daquilo. Precisa encontrar uma forma de manipular a maior invenção do Jason2: com a matéria escura, sua versão genial criou um portal multidimensional capaz de transportá-lo a outras versões de si mesmo e, inclusive, resolver o seu maior arrependimento: o de ter matado a si mesmo em favor de um trabalho febril que o adoeceu mais do que o satisfez. 

Jason, então, precisa ser mais esperto do que... ele mesmo, mas um “ele mesmo” que é um dos cientistas mais consolidados do mundo, que passou a vida adulta inteira trabalhando, sem trégua alguma. Só assim poderá reaver o convívio com o seu filho e com Daniela, e sobretudo afastar o perigo de uma pessoa que, apesar de tudo, é um estranho.

O que ficou do que passou: q u a l i d a d e

Numa prosa visual e minimalista, o autor surpreende o leitor a cada página. Uma das minhas impressões principais é a de que estou assistindo um filme (mas eu costumo dormir assistindo filme; bom, entendam: um filme bem legal). Sua qualidade e originalidade conferem uma abertura das portas da percepção para a consistência das obras que saem hoje. O clássico não está só no passado. O que é bom não é necessariamente aquilo que passou, que está distante e intocável como um ideal longínquo; a qualidade continua se construindo e pode estar bem perto de você. Um autor espetacular pode estar bem do seu ladinho e você, eu, nós todos não damos o devido valor. Podemos estar com olhos vendados pelas convenções literárias. Cada geração se reinventa com seu próprio estilo. Devemos ficar bem atentos às novidades que vem por aí e isso serve especialmente para mim.

Não posso esquecer o meu sentimento mais forte, apesar de toda essa bagunça científica e univérsica: a valorização das pessoas mais próximas com as quais convivo. Que “reflitão”! A mesma coisa que me acontece quando eu li As primeiras quinze vidas de Harry August, um vozerio espaço-temporal que desnorteia a minha percepção das relações humanas.

Eu não sou o mais indicado para falar em roteiros, em sua coerência ou não, se existem furos ou não. Mas posso afirmar que foi justamente a consistência roteirística o que mais me chamou a atenção. Parece quase impossível encontrar soluções para os conflitos do protagonista. São conflitos científicos, extremamente complexos subjetivamente para o protagonista, e até do ponto de vista da trama, mas Blake Crouch demonstrou ser um exímio escritor para dar um acabamento tão legal. Ganhou mais um leitor. Os próximos que vou ler são os mais consolidados, a trilogia Wayward Paynes. Não sei quando, porque não gosto de conectar muitas obras de um escritor só.  Trabalho com a possibilidade de uma vida longa, então é melhor eu não esgotar tão rápido as obras dos(as) melhores autores(as). Há especulação de que o livro Matéria Escura vai ser adaptado para uma produção audiovisual.

Aguardo com ansiedade!...

Matheus Andrade,

15/04/2018

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